29 de setembro de 2006

Eclipse imparcial

Recebi ontem uma notícia que me deixou demais contente: o poeta hispanófono e amigo muito Alfredo Fressia lança, no dia 11 de outubro, a edição mexicana de seu livro Eclipse: cierta poesía, 1973-2003, que é uma antologia da sua obra conhecida acrescida de um novo livro. A edição uruguaia do livro saiu em 2003, em Montevidéu*.

Tive o privilégio de ter a orelha esquerda assinada por ele (orelha do meu livro, não minha), uma honra (para mim, não sei se tanto para ele, rs). Para saber um pouco mais de Alfredo Fressia, que é uruguaio de nascimento e paulistano –há 30 anos– por adoção, recomendo o ótimo artigo de Dirceu Villa no Jornal de Poesia; mais abaixo, seguem dois seus poemas que certa vez traduzi.

A Fressia, que está de viagem marcada para a Cidade do México nos próximos dias, desejo muitíssima sorte e um eclipse nada parcial, ficando na expectativa de umas fotos solares para o blog.

Merde!





(*) Com o Fressia aprendi que Montevideo vem de MONTE VI DE E–O ("monte sexto de [l]este–oeste"), ou seja, um roteiro de cartografia náutica. Quem suspeitaria.

2 poemas de Alfredo Fressia

Extraídos do livro Eclipse: cierta poesía, 1973-2003, Montevidéu, 2003.

Os persas

Trad. Fábio Aristimunho

Segundo Heródoto, a armada de Xerxes
tinha já deixado Sardes a caminho de Salamina,
quando o sol começou a abandonar seu lugar no céu
e a desaparecer. O dia, sereno e sem a sombra de uma nuvem,
se foi transformando em noite. O sol
tomava a cor da safira e, ao se entreolharem,
os homens se viam pálidos como mortos.
Todas as coisas pareciam banhar-se em um vapor escuro.
O estupor e o espanto se apoderaram do coração
daqueles homens jovens. Xerxes observava o prodígio,
acompanhou-o com atenção e perguntou a seus magos
o que significava. O céu, lhe responderam,
anunciava aos gregos a destruição de suas cidades
pois o sol, diziam, é o astro profético dos gregos
e a lua, o dos persas. Xerxes, em suspense,
encantou-se com a resposta, aliviou seus homens
com palavras confiantes e –não se há de calar nunca
Heródoto– ordenou que retomassem a rota.

Foi ao morrer que compreenderam: morremos
de um eclipse, eternos como a safira,
e seguiremos o retorno das luas
enquanto um Coreuta recitar nossos nomes.
Foi somente para isso que vivemos.

Xerxes morreu no palácio, assassinado por um traidor.


Aeroportos (fragmentos)

Trad. Fábio Aristimunho

.....Os aeroportos são pactos de silêncio. Eu não digo o meu terror, você não diz o seu, ele não diz o dele. E sorrimos, como se houvesse alguma conivência silenciosa. O terror, nos aeroportos, provoca mais sorrisos cúmplices do que diarréias.

....................#

.....Na verdade, as aeromoças são bonecas infláveis. Os pilotos têm hemorróidas mas assim que entram em um aeroporto as hemorróidas lhes param de doer. Os comissários de bordo não são homossexuais: nos aeroportos não há mais sexo. Pode-se fazer, mas não há.

....................#

.....Não é verdade que haja aeroportos mais aeroportos que outros aeroportos. Só os ingênuos podem pensar que Roissy, em Paris, é mais aeroporto que o de Iquitos ou o de Montevidéu. Não. Todos os aeroportos, sem exceção, são implacavelmente aeroportos.

....................#

.....Quantas vezes terei ido buscar amigos meus em aeroportos? Quantas outras me esperaram eles pontualmente em outros aeroportos? Quantas? Eu só me lembro deles, abraçados, hoje vivos ou mortos, sempre depois de termos saído de aeroportos.



Os originais:


Los persas

Alfredo Fressia

Según Herodoto, la armada de Jerjes
ya había dejado Sardes camino a Salamina,
cuando el sol empezó a abandonar su lugar en el cielo
y a desaparecer. El día, sereno y sin la sombra de una nube,
se fue transformando en noche. El sol
tomaba el color del zafiro y, al mirarse entre sí,
los hombres se veían pálidos como muertos.
Todas las cosas parecían bañarse en un vapor oscuro.
El estupor y el espanto se apoderaron del corazón
de aquellos hombres jóvenes. Jerjes veía el prodigio,
lo siguió con atención y preguntó a sus magos
lo que significaba. El cielo, le respondieron,
anunciaba a los griegos la destrucción de sus ciudades
pues el sol, decían, es el astro profético de los griegos,
y la luna el de los persas. Jerjes, suspendido,
se encantó con la respuesta, alivió a sus hombres
con palabras confiantes y –no callará nunca
Herodoto– ordenó que retomasen la ruta.

Al morir lo comprendieron: morimos
de un eclipse, eternos como el zafiro,
y seguiremos el retorno de las lunas
mientras un Coreuta recite nuestros nombres.
Fue sólo para eso que vivimos.

Jerjes murió en palacio, asesinado por un traidor.


Aeropuertos (fragmentos)

Alfredo Fressia

.....Los aeropuertos son un pacto de silencio. Yo no digo mi terror, tú no dices tu terror, él no dice su terror. Y se sonríe, como si hubiera alguna connivencia silenciosa. El terror, en los aeropuertos, provoca más sonrisas cómplices que diarreas.

....................#

.....En realidad, las azafatas son muñecas inflables. Los pilotos tienen hemorroides pero desde que entran en un aeropuerto las hemorroides paran de dolerles. Los comisarios de vuelo no son homosexuales: en los aeropuertos no hay más sexo. Puede hacerse, pero no hay.

....................#

.....No es verdad que haya aeropuertos más aeropuertos que otros aeropuertos. Sólo los ingenuos pueden pensar que Roissy, en París, es más aeropuerto que el de Iquitos o el de Montevideo. No. Todos los aeropuertos, sin excepción, son implacablemente aeropuertos.

....................#

.....¿Cuántas veces habré ido a buscar a mis amigos en aeropuertos? ¿Cuántas otras me esperaron ellos puntualmente en otros aeropuertos? ¿Cuántas? Yo sólo los recuerdo a ellos, abrazados, hoy vivos o muertos, siempre después de haber salido de los aeropuertos.

28 de setembro de 2006

A volta do medianeiro

Ok, vou tentar justificar a minha ausência do blog em poucas palavras:






Espero não ter sido verborrágico.

Agora, de volta ao deserto do real.

Carpe diem!

8 de setembro de 2006

Aviso

Este blog está temporariamente interditado por motivos de férias e estado civil. Aguadem novos versos para breve.

O medianeiro

1 de setembro de 2006

Um louro, um mouro, um mico e um senhor de Porto Rico

Agora um poema divertidíssimo, de um anônimo do séc. XIX, em catalão. Parece que ele foi musicado recentemente, mas ainda não encontrei a música - se alguém tiver uma pista mande pra mim.


UM LOURO, UM MOURO, UM MICO,
E UM SENHOR DE PORTO RICO


Trad. Fábio Aristimunho

Um senhor de Porto Rico
na sacada tinha um louro
emplumado e bom de bico:
um louro a peso de ouro,
desses que só compra um rico.

Um vizinho, que era mouro
de Tetuan, ganhou um mico.
Amarra o mico, o mouro,
na sacada, e fica o louro
na outra, bem longe do mico.

Mas tanto gritava o louro
que um dia se irrita o mico,
e enlouquece como um touro
raivoso... Esconde-se o louro,
destrói a corrente o mico,

salta à gaiola do louro,
sai o louro e bica o mico,
grita o mico, grasna o louro
e, com os berros, sai o mouro
e o senhor de Porto Rico.

– Por que não tranca seu louro?
– Por que não prende seu mico?,
reclamam os dois em coro,
querendo um pegar seu louro
e puxando, o outro, seu mico.

Cai o mico sobre o louro.
O louro lhe crava o bico.
Dentes arreganha o mico
e, arrepiado, morde o mouro
e o senhor de Porto Rico

Este renega seu louro,
jurando matar o mico,
enquanto, furioso, o mouro
provoca o dono do louro
e enfurece louro e mico.

Vai, cabeça erguida, o louro;
sai, cabeça baixa, o mico;
e a eles todos o decoro
faltando, atracam-se o mouro
e o senhor de Porto Rico.

¡Ay, moro, si pierdo el loro!,
lhe diz o de Porto Rico.
Responde, ultrajado, o mouro:
– Pagará bem caro o louro,
ó cristão, se perco o mico!

Do alto desafia o louro,
faz careta, embaixo, o mico,
e não se sabe se é o mouro
quem fala, ou então se é o louro,
ou o senhor de Porto Rico.

Cresce a zorra; voa o louro,
cai na rua sobre o mico...
Se assusta o de Porto Rico,
ao ver em perigo o louro
novamente pelo mico!

Escapa às pressas do mouro.
Entra e dá um tiro no mico,
porém erra e mata o louro...
Cai desmaiado. Ri o mouro,
que corre buscar seu mico.

Esperto, retorna o mouro
com o louro morto e o mico.
Ajuda o de Porto Rico...
E depois lhe envia o louro,
com uma carta, pelo mico,

que diz: “Seis onças em ouro
pelo ataque contra o mico,
de um cristão exige um mouro.
Guarde, dissecado, o louro.
Mas agora pague o mico”.

Vê isso o dono do louro
e se volta contra o mico.
Mata o mico, mata o mouro.
Mortos mouro, mico e louro,
vai-se embora... a Porto Rico!


O original:

UN LLORO, UN MORO, UN MICO,
I UN SENYOR DE PUERTO RICO


Anònim

Un senyor de Puerto Rico
al balcó tenia un lloro
de rica ploma i bon pico:
un lloro dels que fan
oro,
dels lloros que costen pico.

Un veí seu, que era moro,
de Tetuan, va rebre un mico.
Amarra aquest mico, el moro,
al balcó, quedant el lloro
a l’altre, però lluny del mico.

Mes tan i tan xerrà el lloro,
que un dia s’empipa el mico,
i amb rabiós alè de toro
l’embesteix. S’amaga el lloro,
trenca la cadena el mico,

salta a la gàbia del lloro,
surt el lloro, pica al mico,
xiscla el mico, xerra el lloro
i, amb l’esvalot, surt el moro
i el senyor de Puerto Rico.

– Per què no tanca el seu lloro?
– Per què no amarra el seu mico? –
Exclamen els dos fent coro,
volguent l’un agafar el lloro
i estirant-li, l’altre, el mico.

Cau el mico sobre el lloro.
El lloro li clava el pico.
Reganya les dents el mico
i, esbarat, mossega el moro
i el senyor de Puerto Rico.

Aquest renega del lloro,
prometent matar el mico,
mentre que, furiós, el moro
provoca l’amo del lloro
i embesteix a lloro i mico.

Cap amunt s’enfila el lloro,
cap avall s’escorre el mico
i, faltant tots al decoro,
agarrats queden el moro
i el senyor de Puerto Rico.

¡Ay, moro, si pierdo el loro!
li diu el de Puerto Rico.
Replica, cremat, el moro:
- Pagaràs ben car el lloro,
oh, cristià!, si es perd el mico.

A dalt l’escarneix el lloro,
a baix, fa mueques el mico,
i no se sap si és el moro
el que parla, o be és el lloro,
o el senyor de Puerto Rico.

Creix el brogit; vola el lloro,
cau al carrer sobre el mico...
Burrango el de Puerto Rico,
veient-se amb perill el lloro,
altre volta sobre el mico!

Es desfà com pot del moro.
Entra i pega un tiro al mico,
però l’erra i mata el lloro.
Cau desmaiat. Riu el moro
i fuig a buscar el mico.

Eixerit, retorna el moro
amb el lloro mort i el mico.
Auxilia el de Puerto Rico...
I després li envia el lloro
amb una carta, pel mico,

que diu: “
Seis onzas en oro
per l’atemptat contra el mico,
d’un cristià reclama un moro.
Guardi’s, dissecat, el lloro.
Pagui’m ara, a mi, aquest pico”.

Veu això l’amo del lloro.
Es tira damunt del mico.
Mata el mico, mata el moro,
i, mort moro, mico i lloro,
fa un farcell... i a Puerto Rico!