30 de junho de 2009

Lançamento: REVISTA CELUZLOSE


Celuzlose
Revista Literária

N. 1, junho de 2009.

Edição e projeto gráfico de Victor Del Franco.

Entrevista com Fábio Aristimunho Vargas.
Poemas de Andréa Catrópa, Celso Borges e Hélio Neri.
Poemas traduzidos de Enrique Winter (Chile) e Martín Barea Mattos (Uruguai).
Poesia visual: Marcelo Sahea.

Acessível aqui.


ENTREVISTA

Fábio Aristimunho Vargas

Quinquelíngue

Poeta, tradutor e advogado, Fábio Aristimunho Vargas lançou recentemente a coleção Poesias de Espanha (Hedra, 2009) com 4 volumes, dos quais a coletênea Poesia catalã foi premiada pelo Institut Ramon Llull, de Barcelona.


Nesta entrevista, ele fala do seu trabalho de tradutor, do período em que atuou na Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e dos próximos livros que está preparando.



Em abril de 2009, você lançou a coleção Poesias de Espanha, uma antologia de fôlego que abrange um largo período histórico e inclui as quatro línguas oficiais espanholas. Quando você teve seu primeiro contato com a literatura espanhola? Já havia alguma referência desde a infância ou isso só aconteceu muito posteriormente?

A Coleção Poesias de Espanha: das origens à Guerra Civil é resultado de dois anos de trabalho árduo, mais alguns meses de infindáveis revisões e editoração. Em alguns momentos tive a impressão de que não terminaria nunca a antologia e acabaria abandonando o projeto pelo caminho. Mas, felizmente, consegui manter um ritmo de trabalho bastante intenso para poder lançar os quatro volumes da coleção – Poesia galega, Poesia espanhola, Poesia catalã e Poesia basca – a tempo do aniversário dos 70 anos da Guerra Civil Espanhola, em abril de 2009. Dos quatro idiomas da coleção, a minha primeira referência é a língua castelhana, que trago da minha infância em Foz do Iguaçu, no Paraná, minha cidade de origem e onde hoje moro novamente. Na Tríplice Fronteira o mundo hispânico é algo tão próximo quanto o seu vizinho e os colegas de colégio ou de trabalho. Sem falar que o meu pai era hispanofalante, apesar de ele falar apenas português em casa. Quando estive na Espanha, em 2002, para um curso de pós-graduação, tive o meu primeiro contato com as outras línguas do país, de cuja existência eu tinha conhecimento mas me surpreendi com sua vivacidade, sobretudo com a onipresença do catalão nas ruas de Barcelona e com a persistência do euskara no País Basco. Retornando a São Paulo, onde morava na época, comecei a estudar catalão e basco, a convite de amigos próximos, e mais tarde o galego. E como escritor, naturalmente era sempre a literatura dessas línguas o meu ponto de apoio, que eu lia conforme estudava o idioma.


Durante o processo de organização da antologia, além do período histórico, quais foram os outros critérios para a seleção dos poemas?

Numa antologia as escolhas e as renúncias são sempre arbitrárias. Procurei o mais possível estabelecer um critério objetivo de seleção, como por exemplo eleger os autores mais importantes de cada período literário, refletindo em número de autores a importância de cada período literário e o prestígio de cada autor no número de seus poemas – quanto mais fundamental o autor, mais poemas seus foram incluídos na antologia. Mas qual ou quais poemas selecionar de cada um desses autores? É nesse momento que impera a subjetividade e a seleção acaba se norteando pelos gostos do organizador, o que é algo inevitável. Ainda assim procurei manter um certo equilíbrio temático e de tons, sem nenhum tipo de preconceito literário. Na antologia é possível encontrar poemas jocosos, metalinguísticos, populares, eruditos, políticos, religiosos, epistolares, ideológicos, distribuídos de maneira aleatória e equilibrada por toda a coletânea.


Após ler as traduções (ou transcriações, como preferir), fica evidente o cuidado e o rigor que você dedicou ao trabalho. Um bom exemplo disso é o poema basco “O marinheiro” de Betiri Olhondo. Gostaria que você falasse um pouco sobre a carpintaria das traduções. Os poemas bascos chegaram a dar insônia, ou estou enganado?

Sou muito preocupado em reproduzir ou recriar os aspectos formais dos poemas, na melhor linha de certa tradição brasileira de “transcriação” de poesia. Em muitos poemas a rima e a métrica me vêm com naturalidade na tradução, mas em vários outros resultam de um verdadeiro parto, ante a dificuldade de se respeitar a forma do poema original. Tenho uma satisfação especial pelo resultado da tradução do poema basco “O marinheiro”, de Betiri Olhondo, mas também de poemas como “Vivo sem viver em mim”, de Santa Teresa de Ávila, “Prisioneiro”, de Jordi de Sant Jordi, “A vaca cega”, de Joan Maragall, e das cantigas galego-portuguesas, neste último caso apresentadas como releituras modernas dos originais medievais. De fato as traduções do basco foram as mais complicadas, por uma série de motivos. Por não se tratar de uma língua neolatina e por ter uma sonoridade muito peculiar, o ritmo dos poemas não é facilmente transposto na tradução, restando ao tradutor criar um ritmo totalmente novo para cada poema. A tradução nesse caso é uma versificação totalmente nova, em que se aproveita não mais do que a ideia do original. Eu me orgulho de alguns momentos em que consegui reproduzir algo da sonoridade do verso original, em passagens como “à beira da estrada carreteira pouco transitada”, de Xabier Lizardi, e “não buscamos baleia, apenas nova ideia”, de Lauaxeta, mas reconheço que foram poucos os momentos em que as assonâncias e sobretudo as aliterações conseguiram passar pela peneira do idioma. Por outro lado, foi na antologia da poesia basca em que mais abusei das traduções em versos brancos, algo que ainda assim se justifica: dada a dificuldade para decifrar o sentido do original, em muitos casos não me sentia à vontade para “trair” o texto em busca da melhor rima, preferindo recriar a sonoridade com outros recursos rítmicos.


Como foi feita a pesquisa para a elaboração das notas finais, incluindo o quadro sinótico e o guia das ortografias?

A pesquisa para as notas foi feita como em qualquer trabalho monográfico: investigação em acervos físicos e eletrônicos, fichamentos, levantamentos bibliográficos etc. Para isso acionei bibliotecas estrangeiras, sobretudo espanholas, e as bibliotecas particulares dos amigos, que gentilmente me emprestaram livros sem prazo para devolução. Também comprei muitas obras, na maior parte com preços em euro, que pesaram no meu bolso. Nas notas incluo não só informações objetivas sobre a vida e a obra dos autores, mas também alguns comentários sobre sua poética particular e sobre questões pontuais do trabalho de tradução. Uma curiosidade é que a antologia da poesia basca é baseada na minha monografia “Panorama histórico de la poesía vasca: una mirada lusohablante”, que elaborei para obtenção do título de Especialista em Estudos Bascos, pela Fundación Asmoz de Eusko Ikaskuntza e pela Universidad del País Vasco, sob orientação do Prof. Jon Kortazar, um grande crítico da literatura basca. Já o Quadro sinótico, que compara cronologicamente os períodos literários das quatro literaturas, é fruto das minhas reflexões sobre o tema e embasa algumas das conclusões a que cheguei a respeito da relação que há entre literaturas ao mesmo tempo tão próximas e tão distantes, conforme exponho na Apresentação dos volumes. O Guia das ortografias é um estudo gentilmente elaborado e cedido pelo revisor da antologia, o Prof. Miguel Afonso Linhares, de Roraima, que acompanhou de perto e desde cedo colaborou com o desenvolvimento do projeto Poesias de Espanha.



No período em que morou em São Paulo, você estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e participou das atividades da Academia de Letras que existe na Faculdade. Como foi essa passagem pela Academia de Letras e o seu trabalho na edição da revista FNX?

A Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo, fundada em 1932, foi uma verdadeira escola para mim, um período valioso de aprendizado. De lá trouxe muita experiência de editoração e vivência literária, e sobretudo os amigos que permaneceram para além do quinquênio da faculdade. Por muito tempo fiz parte do conselho editorial da Revista Phoenix, que em seu número XIX, de 2005, mudou seu nome para FNX. Com a revista aprendi muito sobre organização e editoração de obras literárias, um conhecimento fundamental para mim hoje em dia. Eis o blog da Academia de Letras.


Por falar na revista FNX, afinal de contas, quem é Wallace O’Brian?

Wallace O’Brian é um heterônimo e personagem coletivo, criado pelo pessoal da Academia de Letras para personificar tudo o que considerávamos ruim em poesia. Seus versos são em regra derramados e excessivamente líricos, tratando de temas anacrônicos como cavalaria, os deuses greco-romanos, a tradição céltica. E sempre eram inseridas frases com duplo-sentido aparentemente acidental. Em 2004, a revista Phoenix (FNX) trouxe um dossiê revelando a gênese de Wallace O’Brian, até então secreta e envolta em mistérios, além de uma coletânea de seus poemas. Na realidade, tudo foi uma grande brincadeira literária e Wallace O’Brian era, de certa forma, um manifesto poético do grupo, só que às avessas.


Sator arepo tenet opera rotas. O palíndromo é um vício?

A arte do palíndromo é uma grande diversão, mas também um vício, um estorvo. O Laerte tem uma série de tiras sobre palíndromos, que ele curiosamente assina como ET Real. Uma delas ilustra bem a fixação do palindromista na procura pelo palíndromo: um sujeito está no ônibus e lê uma placa em que está escrito restaurante; pensando em várias combinações de letras a partir do espelho da palavra, ele chega ao resultado: “E.T. na rua; T.S.E. redobra garbo de restaurante”, e a charge termina com ele procurando por uma caneta. Essa tira é genial, pois ilustra com perfeição a experiência palindrômica e a condição do palindromista. Eu coleciono os palíndromos que faço, e já contabilizo algumas centenas, embora admita que são poucos os que guardam alguma verossimilhança e concisão, que são critérios para se avaliar a qualidade de um palíndromo. Já que mencionei, cito alguns palíndromos de minha autoria: “O spa local a colapso”, “Medo, pejo – hoje podem”, “Somava zero. Rezávamos”, “O céu sueco”, “Lê, Dr., o cordel”, “À cobaia dai a boca”, “Até o professor vil papel. Livros, se for poeta”, “Museu – és um?”, “O laico gênio foi negociá-lo”, “A letra é arte lá”, “O anônimo bar abomino? Não!”, entre vários outros, para nem citar os palíndromos impublicáveis. Certa vez eu e meu amigo Guilherme Almeida de Almeida organizamos um curso de criação de palíndromos na Casa das Rosas, que foi bastante divertido, especialmente para nós mesmos. Também sou o proprietário de uma comunidade no orkut dedicada à arte palindrômica, chamada “Palíndromos e palindromania”, e convido os leitores a fazer uma visita. É difícil unir palíndromo e poesia, pois o resultado em geral é nonsense ou na linha arte pela arte. Mas já fiz algumas tentativas e incursões literárias no palíndromo, como os micropoemas da “Série palindrômica”.



Em 2005, você lançou “Medianeira”, seu primeiro livro de poesias. Está preparando o próximo livro de poesias ou os seus trabalhos atuais estão voltados totalmente para a tradução?

Tenho dois livros na gaveta, um de poesia e outro de poesia infantil, que estão amadurecendo antes serem publicados. Não tenho pressa de publicar, sei que todo livro tem um ciclo próprio de gestação que não convém acelerar. Também estou num processo de incorporação das minhas leituras ibéricas, que talvez resultem em novos poemas, dos quais o poema “De um trabalhador confiscado na Ponte da Amizade” é um primeiro fruto. Por enquanto estou mais focado mesmo no meu trabalho como tradutor. Hoje tenho três projetos de tradução em andamento, sendo que um deles já está em fase de editoração, a antologia Canto desalojado, que reúne poemas de Alfredo Fressia, poeta uruguaio radicado em São Paulo. Também tenho planos para organizar uma continuação da coleção Poesias de Espanha, desta vez tratando do restante séc. XX que não foi abrangido pela primeira coleção. Esta continuação terá como subtítulo “do pós-Guerra a 2000” e já contabiliza uma quantidade razoável de poemas e poetas traduzidos, só que desta vez vou trabalhar com mais calma, sem a pressão de uma data pré-estabelecida para o lançamento. É uma lição que aprendi com o trabalho insano a que me submeti na primeira coleção. Não que eu me arrependa, pois é um trabalho de que me orgulho bastante, mas não pretendo repetir a experiência tão cedo.



..................4 POEMAS DA

..................SÉRIE PALINDRÔMICA


ALVARIANA

a ira bate: tabacaria



....................................CANTO GENERAL

.................................... “a vaga vida dure”, neruda divagava


ORAÇÃO

orem: “oh, homero...”


.................................... TERRA

.................................... mesmo com, sem



De um trabalhador confiscado na Ponte da Amizade


A partir do poema “A um trabalhador

assassinado”, de Lauaxeta, poeta basco

fuzilado na Guerra Civil Espanhola


Como trabalhadores, todos somos

a cada dia um pouco assassinados.

Um pouco a cada dia relembrados

que trazemos em nossos cromossomos


o que podíamos ser mas não fomos

por nossa culpa, pois pouco estudados.

Nessa guerra incivil dos remediados,

nossa bagagem tanta, feito os pomos-


-de-Adão dos travestis, nos denuncia

à distância à polícia aduaneira,

que sabe aliviar toda caçamba


dos excessos. Vivemos na fronteira

de nós mesmos, e somos nós a muamba

que é confiscada um pouco a cada dia.


..................Foz do Iguaçu, abril de 2009







4 de junho de 2009

Nota n'O Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo, Caderno 2, p. D6
São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

Coleção de poesia reúne idiomas da Espanha

INEDITISMO: A curiosidade criou a nova coleção da Hedra, editora dedicada ao segmento de livros de bolso. Chamado de Poesia de Espanha, o projeto é feito de quatro antologias - cada uma reúne 30 poemas e custa R$ 15 - com autores que escreveram em castelhano, catalão, galego e basco e que representam diferentes momentos históricos. A coleção começa com a poesia trovadoresca, passa pelo Humanismo, pelo Século de Ouro Valenciano, pela Decadência, pelo Romantismo, pelo Renascer, pelos movimentos de vanguarda, e termina na Guerra Civil (1936-1939). A iniciativa e a tradução foram realizadas por Fábio Aristimunho Vargas, que estudou catalão e basco levado pela curiosidade sobre suas origens ibéricas. Formado em Direito pela USP, Vargas é especialista em estudos bascos pela Fundación Asmoz de Eusko Ikaskuntza e pela Universidad del País Basco. Além do desejo de conhecer, a coleção nasce de uma surpresa. Após procurar sem sucesso, em livrarias e na web, coletâneas traduzidas para o português, Vargas foi atrás de obras com poemas originais nas quatro línguas oficiais da Espanha. Segundo o tradutor, nem lá se deram ao trabalho.

Fonte: site do Estadão (é preciso senha).

3 de junho de 2009

Resenha no Zero Hora

Zero Hora, Segundo Caderno, p. 4

Porto Alegre, 20 de maio de 2009


Poesia indomável


O poeta Ricardo Silvestrin analisa coleção que reúne poemas espanhóis do século 12 à Guerra Civil do país


Há poucos dias, uma repórter me perguntou se os poemas nos ônibus em Porto Alegre contribuíam para aproximar as pessoas da poesia. A pergunta supunha que houvesse uma distância. Respondi que, ao contrário, a poesia é tão próxima que se encontra nos ônibus. Se fosse distante, jamais estaria ali. Nosso mundo ocidental começa lá na Grécia antiga.


E o que herdamos dos gregos? Poesia e Filosofia. É através dessas duas artes que nos entendemos como seres humanos. Sem figurar, sem aprofundar, sem pensamento e linguagem não existimos. Foi quando o homem passou a falar de si mesmo e não mais dos deuses que se chegou à poesia lírica. Foi pela poesia que se entendeu como é uma língua. Língua não existe. O que temos é a fala. A língua é uma abstração. Lá se foram os gramáticos tentar formular como são as línguas. A quem recorreram? Aos poetas. Italiano se escreve assim porque Dante escreveu, diz como último recurso um gramático. O exemplo do português é Camões. Olha quantas páginas esse cara fez – dirá o gramático – vai duvidar dele? É claro que os poetas não planejaram virar matrizes de pensamento ou de linguagem. Artistas, fizeram o que tinha necessidade de fazer. Mas eles, mesmo sem querer, moldam a expressão, a maneira de perceber e de dizer as coisas de um povo. Mesmo que não leia um livro de poesia durante toda uma vida, ninguém está nem estará distante dela. As formas poéticas estão veladas nas canções populares, nas tramas de novelas, na fala do dia a dia, no jeito de ser, de pensar e de sentir. Uma viagem pelas relações entre a poesia e a sensibilidade de um povo é o que nos traz a leitura da coleção de poesia espanhola traduzida e organizada por Fábio Aristimunho Vargas para a editora Hedra.


Na Espanha, coexistem quatro línguas: castelhana, catalã, basca e galega. É uma Minibabel. Durante a ditadura de Franco, as outras três línguas que não a castelhana foram proibidas. Só com a constituição de 1978 é que voltaram a ser consideradas também como línguas oficiais. O trabalho do Fábio, paulista de origem espanhola, veio preencher uma lacuna que existia na própria história da literatura espanhola. Não havia até então uma antologia que contemplasse a poesia das quatro línguas. A seleção dos autores e dos textos abrange o período que vai do século 12 até a Guerra Civil espanhola, encerrada em 1939.


Épicos contando os feitos de um herói, cantigas louvando ou avacalhando alguém, relatos de moça virgem que não se entrega a quem a raptou, religiosos em conflito com o corpo e o espírito, louvações à bebedeira na brevidade da vida, reflexões refinadas e supimpas sobre a existência humana, amores exagerados que só existem assim nos textos, cantares à pátria, à língua, observações da natureza, humor inteligente, jogos criativos de palavras, crítica e sátira política e, de quebra, alguma sacanagem. As matrizes da poesia ocidental estão ali. Pelos quatro volumes, salta aos olhos o timaço castelhano: Jorge Manrique, guerreiro e nobre do século 15, Santa Teresa de Ávila no século 16, Góngora na virada para o 17, no mesmo século Quevedo e Calderón de La Barca, no 19 vêm Unamuno e Rosália de Castro e, na virada para o 20, Antônio Machado e Garcia Lorca. Por um lado, é leitura para iniciados. Por outro, uma vez que contempla o que, de certa forma, o senso comum espera do poema (amor, rima, sonoridades, versificação retrô) pode ser lido na rodoviária esperando o ônibus.


RICARDO SILVESTRIN*


* Escritor e publicitário



Baco não quer altar nem quer admiração

Salvat Monho (“Poesia basca”)

(1749-1821)


Baco não quer altar nem quer admiração.

Para os homens deixou somente uma instrução:

o vinho sem a água à vontade beberem,

se da morte manter-se a distância quiserem.


Se pensam que viver se reduz a existir,

felizes vamos ser e um bom gole ingerir.

Pois não sabemos como a vida prolongar,

Deixemo-nos beber se o coração mandar.


Se alguém se dá ao trabalho, então não perca a vez:

o copo está vazio, pode enchê-lo outra vez.

Gozar, até esquecer o que nos aborrece

e as lembranças ruins que ninguém esquece.


Bebamos outra vez; é como sói dizer:

que dois copos depois, o terceiro é um dever

E se esse coração no fundo ainda é triste,

talvez o quarto copo enfim o reconquiste.



(sem título)

Rosália de Castro (“Poesia galega” – autora também incluída na antologia castelhana)

(1837-1885)


Agora cabelos negros,

mais tarde cabelos brancos;

agora dentes de prata,

amanhã dentes quebrados;

hoje bochechas rosadas,

amanhã corpo enrugado.

Morte, morte negra,

cura de dores e enganos:

por que não matas as moças

antes que as matem os anos?



Epitáfio

Francesc Vicenç Garcia - (“Poesia catalã”)

(1579-1623)


(à sepultura de um grande bebedor de aguardente, que morreu de gota)

Aqui jaz o que pensou

estar a salvo da gota,

porque d’água um só gota

(só ardente) nunca tomou.

Por fim a gota o esgotou

e o tragou destes conflitos,

e por tempos infinitos

estará sua epiderme

ilesa, pois nenhum verme

a tomará dos mosquitos.



A Roma sepultada em ruínas

Francisco de Quevedo (“Poesia espanhola”)

(1580-1645)


Procuras Roma em Roma, ó peregrino,

e achar em Roma a própria Roma falhas;

se agora são cadáveres as muralhas,

é de si mesmo túmulo o Aventino.


Jaz, onde antes reinava, o Palatino;

e, do tempo corroídas, as medalhas

mais parecem destroços de batalhas

de outras idades que brasão latino.


Só o Tibre restou, cuja corrente,

se a regou cidade, hoje sepultura,

a chora em som funesto e comovente.


Ó, Roma, em teu grande esplendor e altura

fugiu-te o que era firma, e tão somente

o fugidio é que persiste e dura.



Fonte: site do Zero Hora.

A página pode ser visualizada aqui.


2 de junho de 2009

As últimas 10 coisas que o Tom Zé comprou


AS ÚLTIMAS 10 COISAS QUE COMPREI

TOM
, 72, músico que mantém o blog http://tomze.blog.uol.com.br

1 - Camisetas da Nike.“Só compro porque me salvam da alergia. Mas o símbolo do fabricante é tão grande que, se pudesse,não compraria deles. É de mau gosto”

2 - “Duas barras de chocolate Lindt 85% de cacau”

3 - “Dois pólens [complemento nutricional], da Forever”

4 - “Um HD removível para backup, na rua Aurora”

5 - Livros de poesia espanhola, traduzidos por Fábio Aristimunho Vargas.“Fui comprando um por dia, à medida que me encantava com o anterior”

6 - Uma placa paralela para impressora de computador

7 - “Máscara para fantasia de palco, para cantar ‘Profissão Ladrão’ na Virada Cultural. Comprei na ladeira Porto Geral”

8 - “Um apito imitando briga de gatos,no Embu”

9 - “Dois calções de banho, para hidroterapia”

10 - “Uma dúzia de soldadinhos de plástico subindo uma colina, um cenário da [artista] Laura Andreato reproduzindo o assédio do Exército ao CPC da Bahia”


(Folha de São Paulo, Caderno Vitrine, 16 de maio de 2009)